quarta-feira, 30 de março de 2011

O dia em que o pão de queijo dobrou um hooligan


Cá estou eu de volta para o blog depois do Congresso e da viagem. Mas decidi não falar de nenhum dos dois agora. Decidi falar sobre um tema que voltou à tona nesses últimos dias: o racismo.

Pesado né? Mas eu não pretendo fazer um texto assim não, é mais para contar a minha visão sobre o tema. Primeiro, não vou me restringir só ao racismo em relação aos negros, mas racismo em relação a estrangeiros como um todo. Segundo, tudo que colocarei aqui é apenas minha opinião pessoal, vc pode discordar ou concordar ao seu bel prazer.

No último domingo fui a Londres assistir ao jogo Brasil x Escócia, no estádio do Arsenal, o Emirates Stadium. O jogo foi divertido, ver a seleção de novo foi bem emocionante, e, ainda, o Ronaldo Fenômeno receber uma homenagem. Fui com a Aline, o noivo alemão dela e um amigo brasileiro dele.









Qual não foi a minha surpresa ao chegar em casa e ver todo o burburinho em torno de racismo. Uma banana foi atirada no gramado durante o pênalti do segundo gol. Os escoceses vaiavam fortemente toda vez que o Neymar pegava na bola. Os brasileiros saíram acusando a torcida escocesa de racismo, basta ver as entrevistas depois do jogo. Muitos jornalistas entraram na onda do 'é lamentável', 'primeiro mundo o quê?' etc. Os escoceses negaram racismo.

A visão de quem estava no estádio: o Neymar foi sim vaiado. Primeiro, porque 70% do estádio era ocupado por escoceses. Segundo, ele foi vaiado pelo seu estilo de jogo. O cara é cai-cai, se joga, simula faltas, dribla pra trás etc. Todo mundo sabe disso no Brasil. Mas aqui na Europa esse tipo de jogo irrita muito. No primeiro tempo o Neymar caiu, se atirou no chão e começou a se contorcer de dor numa jogada. Foi retirado pela maca, só para, imediatamente após sair de campo, se levantar milagrosamente curado e voltar pro jogo. No Brasil isso é comum, aqui não. E isso irritou ainda mais os escoceses. As vaias não têm absolutamente NADA a ver com racismo.

E olha que eu estou defendendo os escoceses, e não tenho nenhum motivo especial para tal. Durante os metrôs para o estádio e durante o jogo todo ouvimos eles gritando a favor do Maradona, de que os brasileiros sempre simulam faltas nos jogos de futebol etc. etc. etc. Tudo normal, contudo, provocações sadias sem conteúdo racista nenhum, fomos super respeitados em todos esses ambientes teoricamente hostis (diferentemente do que acontece numa mesma cidade com torcedores de times diferentes no Brasil). E os brasileiros também provocavam de volta, inclusive o tal do amigo do noivo da Aline que estava com a gente (que figura lamentável, me relembra como alguns brasileiros podem ser nojentos), principalmente com relação às gaitas de fole, à aparência ogra e aos kilts, estas brilhantes saias que eles usam (muitos sem cueca por baixo, como muitos fizeram questão de mostrar):





Voltemos às bananas. Eis que a banana é atirada no gramado. Ato racista? Lógico. Ato isolado, porém. Isso não representa a torcida da Escócia nem o povo escocês, ainda mais porque descobriram depois que quem jogou a banana foi um adolescente alemão que estava no meio da torcida do Brasil. Porém, isso tampouco representa o povo alemão, mas sim um otário alemão que devia estar se achando o gostosão para impressionar os amigos. Acho muito fácil apontar o dedo e acusar os outros de racismo como fizeram muitos brasieliros, pois é um tema muito delicado em que todos tendem a apoiar o acusador. Difícil agora é virem se retratar pelas reportagens ou comentários feitos no calor do jogo.

Preconceito existe em qualquer lugar do mundo. Na Escócia, na Alemanha, na Inglaterra, no Brasil. Pode ser que aqui tenha mais, sim, pode, mas é uma minoria tão grande que não vale à pena ser destacada. A maioria das pessoas tolera diferenças aqui (veja bem, tolerar não significa aceitar, isso é outra coisa...), basta ver o tanto de gente diferentes cores, religiões, sexos, nacionalidades, idades, cores de cabelo, números de tatuagens ou piercings, circulando todo dia por Londres. Óbvio que vc sente de vez em quando uma certa repúdia por ser estrangeiro, principalmente nas filas de passaporte dos aeroportos onde os funcionários tem sempre uma leve soberba ao falar com vc (e isso pq não sou árabe ou muçulmano...), mas são raras as situações em que isso ocorre no dia-a-dia. No entanto, os extremistas continuam por aí em todos os lugares. Eu tenho um exemplo bem próximo de mim, exatamente dois metros de distância do meu computador na Univerisdade.

Já falei sobre ele outras vezes, mas bem rapidamente. Simplesmente eu o classifico como a pior pessoa com quem eu já convivi. Ele é grosso, estúpido, racista, vagabundo etc. Não faz questão nenhuma de ser diferente. Já o vi falando e fazendo coisas horríveis. Mas o pessoal aqui o respeita, pois é o mais velho do lab, é inteligente e bem humorado, o pessoal se sente bem sendo amigo dele. Eu nunca falei por mais de 10 segundos com ele. Nunca me deu um bom dia, nem eu a ele depois que ele me negou um 2 vezes. Se bobear ele nem sabe meu nome. Eu o chamo carinhosamente de hooligan. E ele odeia estrangeiros, publicamente, pra ele é só inglês que presta (se bobear só bristolnianos). Imagina só se eu generalizasse o comportamento dele para o comportamento dos ingleses como um todo? Ou pior, dos europeus? É esse raciocínio simplista que eu odeio ver nas declarações dos jogadores e em alguns dos jornais. Imagina se os escoceses entendessem o que o amigo do noivo da Aline falava deles no estádio e generalizassem para os brasileiros como um todo?

Mas eis que, antes de eu ir assistir ao jogo da NBA, eu era o escolhido do lab para cozinhar alguma coisa para o povo do lab comer (tradição às sextas-feiras). Resolvi acabar com meu estoque e fazer pão de queijo, coisa bem brasileira. Levei queijo cremoso e doce de leite (trazidos pelos meus coleguinhas em sua visita à minha casa em janeiro). Óbvio que todo mundo pirou, delicioso, além de ser bem típico.

Eis que o hooligan entra, atrasado, olha os pães de queijo, pergunta para seu amiguinho inglês que raios é aquilo, faz uma careta de nojo, decide tentar provar e... solta um hmmmmm e pergunta: quem fez? O amigo dele disse, foi o André. Ele olha para mim (vejam, ele sabe meu nome), abre um sorriso (!!!!) e diz: Very nice, very nice.

Carinhosamente apelidei esse dia como aquele em que o pão de queijo dobrou um hooligan.

terça-feira, 15 de março de 2011

Congresso

Amanhã vou para o meu primeiro, e único, congresso durante meu período aqui na Europa. Vai ser em Milão, de quinta até segunda. Daí eu e o pessoal do laboratório vamos ficar até o fim da semana por lá, voltando na sexta. Portanto, provavelmente me ausentarei daqui durante esse período. Escrevo sobre o congresso e a viagem na volta!

Como dizem aqui, See ya!

domingo, 13 de março de 2011

Where amazing happens


Onde o incrível acontece. Esse é o mote da NBA, liga profissional de basquete dos Estados Unidos. Lá jogam os melhores jogadores americanos e, de umas décadas para cá, do mundo também. O processo de internacionalização da liga está cada vez mais acentuado. Há, por exemplo, três jogadores brasileiros atuando lá, algo que há 20 anos atrás seria impensável. No intuito de difundir ainda mais o basquete e, lógico, garantir $$ no bolso, a NBA decidiu, pela primeira vez na história fazer um jogo oficial fora dos EUA e Canadá. O jogo foi em Londres, na horrorosa (por fora) O2 Arena, há duas sextas-feiras atrás. E eu fui, lógico.

Sou fã da NBA desde pequeno. Lembro que foi minha avó quem me viciou em NBA. Naquele tempo, em 1993-1994, a Band passava os jogos na TV aberta, algo que hoje não existe. E, numa dada tarde, estava passando a final da temporada, entre Chicago Bulls e Phoenix Suns. No Chicago atuavam caras como Scott Pippen e Michael Jordan. Todo mundo torcia para eles, afinal eles eram os melhores. Lembro do Luciano do Valle empolgado a cada cesta do Jordan. Aquilo me irritou de uma forma tal que eu decidi torcer para o outro time. Minha vó me apoiou e torceu comigo. Só que o Phoenix perdeu, óbvio. Mas eu nunca parei de torcer para eles, quase duas décadas depois. Acompanho todas as temporadas e, quando passa jogo na ESPN, fico acordado até às 4h se for preciso. Sempre sonhei estar lá assistindo uma partida ao vivo.

Tudo bem, não era nem o Phoenix nem o Chicago que jogaram em Londres. Não era nenhum time bom. Aliás, nem um time médio. Eram dois dos piores times da liga, o Toronto Raptors e o New Jersey Nets. Mas e eu estava ligando para isso? Nem pensar! Eu queria era assistir ao jogo, ver o show, as musiquinhas, as cheerleadears, o narrador gritando o nome de quem marcou os pontos, as enterradas etc. E foi o que fiz. Fui com a Aline, amiga minha dos tempos de graduação, que está morando aqui com o noivo alemão dela. Ela morou quase dois anos em New Jersey e, portanto, torceu para eles. Eu tenho mais simpatia pelos dinossauros do que pelas redes, portanto torci pelo Toronto. Era engraçadíssimo o narrador explicando as regras durante o jogo, pois o povo daqui não é muito fã de basquete. E os seguranças não deixava tirar nenhuma foto durante o jogo, coisas de direitos de imagem, mas tinha umas pessoas que insistiam e tomavam cada bronca!

No final, o NJ ganhou, 116 a 103. 18689 pessoas presentes para ver o evento histórico. Eu posso dizer, com orgulho, que era uma delas.













domingo, 6 de março de 2011

Lisboa em 13 versos

A derradeira parte da viagem de férias, lá em janeiro, ocorreu em Lisboa, Portugal. Essa foi até agora a única vez que saí da Inglaterra desde que cá cheguei. Espero que gostem. Legendas ao final das fotos.


1)
Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!



2)
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;



3)
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.



4)
Eternos moradores do luzente
Estelífero pólo, e claro assento,
Se do grande valor da forte gente
De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente,
Como é dos fados grandes certo intento,
Que por ela se esqueçam os humanos
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.



5)
Sou do Benfica
Isso me envaidece
Tenho a genica
Que a qualquer engrandece
Sou de um clube lutador
Que na luta com fervor
Nunca encontrou rival
Neste nosso Portugal



6)
Rapaziada oiçam bem o que eu lhes digo
E gritem todos comigo
Viva ao Sporting!
Rapaziada quer se possa
Ou se não possa
A vitória será nossa
Viva ao Sporting!



7)
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
e viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!



8)
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.



9)
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.



10)
Sabe que há muitos anos que os antigos
Reis nossos firmemente propuseram
De vencer os trabalhos e perigos,
Que sempre às grandes coisas se opuseram;
E, descobrindo os mares inimigos
Do quieto descanso, pretenderam
De saber que fim tinham, e onde estavam
As derradeiras praias que levavam.



11)
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.



12)
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;



13)
Patriota? Não: só português.
Nasci português como nasci louro e de olhos azuis.
Se nasci para falar, tenho que falar-me.




1) Trecho de "A Portuguesa", hino nacional de Portugal
Vídeo na Torre de Belém

2) Início do Canto I de "Os Lusíadas", de Luís de Camões
Foto do Carlos no Arco de entrada para o centro velho de Lisboa, onde por pelo menos 20 vezes (de verdade) ofereceram haxixe para a gente (outras drogas eram menos comuns, mas teve um cara que veio correndo nos oferecendo guarda-chuva, daí quando chegou perto falou "Haxixe?". Quase que a gente comprou pela criatividade do cara...).

3) Trecho de "Poemas", de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa
Foto do alto do Castelo de São Jorge, mostrando Lisboa (dá para ver claramente como nós fomos colonizados por eles e não pelos ingleses em vários aspectos, um deles é a arquitetura. Aqui não existe esse tipo de telha de barro e as casas são todas fininhas...)

4) Início do discurso de Júpiter no concílio dos deuses, Canto I de "Os Lusíadas"
Foto do alto do Parque Eduardo VII (em homanegem ao rei inglês que visitou a cidade para firmar a aliança entre Portugal e Inglaterra)

5) Início de Ser Benfiquista, hino do Benfica
Foto do Carlos ao lado da estátua de Eusébio, grande jogador português dos anos 60, no Estádio da Luz, lendário estádio do Benfica

6) Trecho do hino do Sporting de Lisboa
Foto dos 3 mosqueteiros no Estádio José Alvalade, com 22314 pessoas, para assitir a Sporting 2x1 Braga, um dos últimos jogos do Liédson lá antes de voltar ao Corinthians. Reparem que os fanáticos aqui até faixa do Sporting tinham...

7) Trecho do poema "Mar Português", de Fernando Pessoa ele-mesmo
Foto do Renato em Belém, com o Mosteiro de Belém ao fundo e uma sombra incrível na frente, devida à estátua da foto 10).

8) Trecho de "Odes" de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa
Foto da tumba de Fernando Pessoa no Mosteiro de Belém, onde também estão sepultados, entre outros, Alexandre Herculano, Vasco de Gama e Luís de Camões.

9) Trecho do poema "Mar Português", de Fernando Pessoa ele-mesmo
Eu numa das muitas janelinhas da Torre de Belém, com a vista da Ponte 25 de Abril ao fundo

10) Discurso de Vasco da Gama, Canto VIII de "Os Lusíadas"
Monumento aos Descobridores, representando os navegadores portugueses que viajaram para o Além-Tejo, ou seja, para além do Oceano Atlântico.

11) Trecho de "O Guardador de Rebanhos", de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa
Vídeo da gente num teleférico no Parque das Nações, um parque gigante que abrigou a Feira das Nações nos anos 90, e por isso tem esse nome.

12) Início do poema "Amor é fogo que arde sem se ver", de Luís de Camões
O degladiador dos originais, oficiais e únicos pasteizinhos de Belém.

13) Trecho de "Fragmentos", de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa
Dizem que Brasil e Portugal falam a mesma língua. Sério, não notei...