
Uma paradinha na mostra de fotos dos passeios para falar de um assunto que vem dominando os noticiários há mais de um mês aqui na Inglaterra. Vale o exemplo para refletirmos sobre as diferenças e semelhanças entre Brasil e Inglaterra.
Joanna Yeates era uma arquiteta de 25 anos que morava aqui em Bristol, no mesmo bairro onde eu moro, Clifton. Ela frequentava a Universidade quase todos os dias para fazer pós-graduação. Mas, no dia 17 de dezembro, ela desapareceu depois de sair de um pub onde foi fazer um happy hour com os amigos.
Eu me lembro de que se passou mais de uma semana com ela desaparecida. Nas ruas, nos muros e nas fachadas dos mercados que eu frequento aqui havia a foto dela, num pedido da família por informações a respeito de Joanna. Até aí, tudo normal. No entanto, isso ainda era notícia diária nos jornais da BBC, principalmente na filial da BBC no Oeste. Aqui na Inglaterra isso é assim, não tem leite com imagem de criança desaparecida. Isso é notícia, e das grandes.
No dia 25, Natal, no entanto, acharam um casal que passeava com seu cão de manhã achou um corpo completamente coberto de neve, perto da ponte suspensa de Clifton. Um dia depois confirmou-se que era o corpo de Joanna. Pronto, volta a notícia para a primeira página do The Independent e Daily Telegraph, entrevista exclusiva com a família no The Guardian, acesso ao relatório forense no Times, link exclusivo direto do local do corpo no Channel 4 e imagens de helicóptero do flat de Joanna na BBC. Imaginem se fizessem isso com todos os desaparecidos que temos diariamente no Brasil?
Daí vem o Ano Novo e nada de descobrirem quem é o assassino. A pressão da imprensa fica grande, a notícia não sai das primeiras páginas dos tabloides ou dos primeiros blocos dos telejornais. A família faz aparições públicas pedindo informações que levem à captura do assassino. Daí, o que acontece? Prendem o locatário do flat de Joanna, Chris Jefferies, um homem de 66 anos, que morava num flat acima do dela.

A imprensa sensacionalista, muito forte aqui, faz aquele estardalhaço, chamam o cara de canalha, mostram simulações de como teria sido o crime e (pasmem) fazem associações entre esse crime e um outro em 1974, que segundo eles tinham semelhanças nítidas e perturbadoras (nunca prenderam o criminoso do assassinato de 1974). E o cara jurando inocência. Esse tipo de comportamento me lembra muito a imprensa de um certo país...

Uma semana depois, eis a surpresa. Soltam o locatário. Como assim soltam o criminoso? Acontece que ele foi considerado inocente. Depois de ter seus bens confiscados, sua vida exposta, sua reputação destruída e sua imagem humilhada, soltam o cara. E o duro é pouquíssimos órgãos de imprensa aqui pediram desculpas ao Chris ou à sua família. Ninguém meteu pau na incompetência da polícia, ou pelo menos na pretensão da polícia que ao prender um suspeito fez parecer que tinha prendido o assassino. Parece que o corporativismo aqui impera e a proteção da imagem da polícia como órgão público deve sempre prevalecer. Acho completamente errado. Nessa hora faltam uns Datenas...
Enfim, voltando ao assunto do assassinato, depois que soltaram o cara, mais investigações forenses, mais cobertura da imprensa, mais apelos da família etc. etc. etc. Já estava enchendo o saco, especialmente aqui em Bristol. A residência onde moro soltou novos regulamentos para garantir a segurança dos estudantes. A Universidade soltou circulares para que evitássemos de andar sozinho depois de escurecer (o que aqui nessa época acontece antes das 16h30). Afinal, tem um assassino à solta, todos corremos enorme risco. A taxa de assassinatos aqui é elevadíssima, comparável aos bairros mais violentos de São Paulo... =P haja exagero!
Na semana passada, um mês depois, fizeram uma reconstituição do crime. Refizeram o trajeto de Joanna, saindo da Universidade, indo num pub com os amigos, indo num mercado comprar uma pizza (que por sinal é prova importantíssima do crime, pois ela simplesmente sumiu e a polícia dizia que ela poderia levar ao criminoso) e andando de volta para casa, quando não foi mais vista. O disque denúncia recebeu mais de 300 ligações e, no dia seguinte, prenderam outro suspeito. Dessa vez, fizeram questão de ressaltar que era um SUSPEITO, não o assassino. Era um engenheiro holandês (alguém conhece outro engenheiro holandês? =D), Vincent Tabak, que era proprietário de um flat ao lado do de Joanna.

O legal é que eu não soube dessa prisão pelos jornais, eu soube através de um policial. Acontece que eu estava indo calmamente ao supermercado Sainsbury's em Clifton, como faço sempre, seguindo a rua da minha casa morro abaixo e virando numa travessa residencial para chegar ao mercado. Só que essa rua estava bloqueada pela polícia, com cordões de isolamento, e toneladas de jornalistas na porta. Eu tentei chegar mais perto para ver o que era (como que numa segunda versão do Datena falando 'Me dá imagens, me dá imagens!') e um policial me perguntou se eu era um morador da rua. Falei que não e perguntei o que se passava. Daí ele disse que tinham prendido uma pessoa (que só fomos saber quem era só depois dela ser formalmente acusada do crime, diferentemente do feito com o locatário do flat) pelo assassinato de Joanna Yeates. Engraçado pensar que essa rua fica a 200 m da minha casa e eu passo por ela pelo menos duas vezes por semana...
Agora, abriram processo formal contra Vincent Tabak, ele foi à corte de Bristol esta semana, com toda a cobertura da imprensa de novo. Nas próximas semanas o julgamento deve de fato começar e, se for condenado, o holandês vai passar o resto da vida na cadeia. Porque aqui não tem essa de 'bom comportamento' e redução pra 1/6 da pena...