domingo, 19 de dezembro de 2010

A Adaptação Cultural

Todo mundo sabe que morar no exterior não é fácil. Ainda mais quando se está sozinho. Temos o famoso choque cultural, opondo de um lado a nossa cultura, e do outro lado a cultura do país ao qual estamos chegando.

A experiência de um sanduicheiro no exterior é ideal para descrever todas as fases de adaptação cultural que uma pessoa morando no exterior tem que passar. Estudos científicos, baseados nos milhões de exemplos que existem ao redor do mundo, chegaram à uma interessante curva que mostra o ciclo de adaptação cultural de uma pessoa morando no exterior.



Essa daí traduzi da Universidade de Stanford, mas existem outras versões.

Basicamente, no noso caso, nosso humor passa por altos e baixos nesse tempo fora do Brasil. Na verdade, pela minha experiência, você pode até voltar pra trás nessa curva de adaptação.

Vamos por partes:

- Inscrição: pânico pra escrever o projeto, pra juntar todos os documentos (e são muitos), pra entender os sistemas estrambólicos da CAPES ou do CNPq e, depois, da eterna espera para saber o resultado. E como demora... Depois, se vc foi aprovado, vc fica feliz, mas só por um tempinho curto, pois são tantas coisas para arranjar, como passagem, moradia, visto, dinheiro etc. etc. etc.

- Chegada: pra quem nunca morou fora do Brasil, é realmente uma fascinação chegar num lugar diferente, onde as coisas parecem funcionar melhor, os lugares são limpos, a Universidade é mais bem equipada etc. Em resumo, tudo parece ser uma maravilha. Isso para mim durou umas semanas.

- Choque Cultural: esse daqui é um poço de humor frequente. Vira e mexe eu me encontro nele. Reparem na curva que o mínimo pode ser maior ou menor. A tendência é que com o tempo ele se torne menor. O choque cultural aqui é um período de stress pessoal em que temos que resolver muitos problemas no novo país, relacionados à casa, comida, transporte e trabalho, mas ainda não sabemos como as coisas funcionam direito. Às vezes eu me sentia um idiota por não saber como proceder em coisas simples, como ir ao mercado ou pegar um ônibus. A língua aqui é um enorme entrave, pois vc não se acostumou ainda com todo mundo falando outra língua, e vc ainda não está nem perto da fluência em outro idioma. E, óbvio, tudo funciona diferente do que vc está acostumado, caracterizando o choque de culturas.

- Adaptação: A rotina é a chave do sucesso. Acordar na mesma hora, fazer o mesmo caminho, ir ao mesmo mercado, encontrar padrões, sacar como as pessoas se comportam, ver quem bate mais com vc e quem vc não deve mexer (entenda o hoolingan!) etc. Isso te dá uma sensação ótima de segurança, que ajuda a suplantar o choque cultural. Minha rotina se estabeleceu depois de um mês e pouco de estadia aqui. E ainda está firme e forte. O idioma começa a ser menos problema do que era no começo. A dica aqui é tentar pensar na língua estrangeira e não ligar para os erros, pois vc continuará a cometê-los, mas serão menos frequentes.

- Isolamento mental: Acho que eu estou por aqui agora. O Thiago estava certo, época de feriado é horrível estar sozinho no exterior, ainda mais no Natal. Todo mundo volta pra casa, pois ou mora no mesmo país ou mora em país perto, no caso da Europa. Ainda não senti o tranco pra valer, pois na semana passada tudo ainda estava normal. Mas a partir de segunda apenas poucas pessoas estarão por lá, e a tendência é esse número diminuir mais no decorrer da semana até o Natal. Boatos são conta que a cidade fica deserta na véspera de Natal. Eu estarei aqui para comprovar. Esta situação é a definição clara de isolamento, mas isolamento físico além de isolamento mental, pois você está longe da sua família e amigos próximos. O isolamento mental acontece mais frequentemente, no dia-a-dia, uma frustração constante que você sente quando não consegue se expressar tão bem na língua estrangeira quanto conseguiria na sua língua nativa. É realmente frustrante.

- Aceitação e Integração: Já passei por essa fase também, e digo que é a melhor coisa que você pode sentir quando está fora da sua zona de conforto. Quando você é aceito e pode ser quem você realmente é, você está no ápice da curva de adaptação cultural. Os erros no idioma não são mais um entrave para comunicação, você já pode brincar com as pessoas pois já as conhece há suficientes meses, já conhece como as coisas funcionam e se sente seguro na sua vida como um todo. Essa fase é a que demora mais para chegar. Para mim foi perto de 3 meses, mas pode acontecer antes ou bem depois. Provavelmente a chegada de pessoas conhecidas possa ser um máximo maior do que este, mas aí é como estar roubando num jogo de cartas usando um coringa proibido, ou seja, não conta hehehehe

- A Volta: quando vc volta, o ciclo se repete no lado oposto. Você fica nervoso com a expectativa de voltar e ansioso para rever as pessoas que conhece. Mas o famoso "lá era melhor" pode ser uma sensação complicada que te deixa depressivo na volta. Não sei, pois ainda falta muito para eu chegar nessa fase. Mas, imagino eu, a readaptação cultural é muito mais rápida do que adaptar-se a uma cultura estrangeira.


Quem é sanduicheiro pode se achar no meio dessa curva aí, cheia de ciclos. Tais curvas às vezes são simplificadas e descritas como W (dois vales e três ápices de humor). Mas nada impede que seu padrão seja um WW, um M ou, até, um U...

10 comentários:

  1. imagino se o renato teria essas oscilações de humor tbm hahahah

    ( ^ ; ^) >> rindo, agora meio de perfil hahaha

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  2. "U" é muito triste... (e poderia ser "V" pra combinar)
    Gostei deste post! Aprovado! *****

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  3. estou ainda na fase "Chegada"! aiai. e eu também vou ficar isolada no Natal! todo mundo está TENTANDO viajar! Poderia sair, mas o transporte está um caos e nevará mais no fim de semana! a cidade também ficará deserta! :(

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  4. Esse negócio do isolamento no Natal e complicado.
    Tive uma prévia no Thanksgiving e realmente é um problema. Mesmo que você não ligue para o feriado. O Truque e planejar algo para fazer... ou roubar com algum coringa!

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  5. Aproveite a oportunidade, e saia por ai. Sinta-se o rei (VC TEM TUDO PRA ISSO). A cidade é sua!O reino é seu! Todo rei se sente isolado muitas vezes, mas não perde a magestade. Tudo que vc ver à sua volta é conquista sua. Outras terras, outras gentes, mas o centro... é seu.
    FELIZ NATAL, FELIZ CONQUISTA!
    Sou muito feliz por ser seu pai.

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  6. Veremos sua volta André... Sua readaptação aos nossos costumes, como comer no Bandejão e escovar os dentes! (sim eu sei que você escova, mas imagina conviver com pessoas que fazem o mesmo!).

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  7. Olá, muito legal seu post sobre a adaptação. Estou nesse processo aqui na Noruega, mas com um item a mais: 2 línguas ahah vamos ver se consigo, em 3 meses, estar bem adaptada assim :) Vc tem alguma dica para suavizá-la e também melhorar a prática da língua (já que não tem amigos no local)?

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  8. A televisão ajuda muito. Assista TV. Aqui eu assisto muito mais TV do que no Brasil, pois isso te ajuda muito a praticar o listening. Mesmo que vc não goste tanto assim de TV, vale à pena se esforçar um pouco por dia. Para treinar a fala, só com o tempo mesmo, quando vc se integrar aí na Noruega e ficar mais à vontade para poder falar (e errar) sem ficar envergonhada. Busque falar o máximo que puder, tente botar a vergonha e o orgulho de lado. Aproveite o tempo que vc está aí!

    Agora, em aprender norueguês acho que só um curso mesmo, pois pegar uma língua tão diferente assim por TV ou por conversas leva muito mais tempo...

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  9. Olá, André!

    Valeu pelas dicas, estou tentando soltar a língua e perder a vergonha - o duro é o perfeccionismo que às vezes nos impede. O que falta agora é arrumar gente pra me ouvir hahah Acho que vou precisar participar dos eventos sociais da graduação daqui - o pessoal costuma a conversar pelos cotovelos :-) Vou seguir sua dica e assistir minha não tão amada TV. Qto ao noruguês - no way - o máximo que vou aprender é dizer oi, obrigada e desculpe :-D

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  10. Oi Andreh!
    Cara... ainda nao tinha lido esse seu post. Ficou muito massa! Ainda mais pq me enquadrei perfeitamente no esquema. hahaha
    A minha fase depressiva durante o choque cultural foi medonha... quase que voltei pra casa. Mas tudo passou depois que consegui um lugar fixo pra morar.
    A sua descricao sobre o isolamento mental foi perfeita. O unico problema eh que comigo o pico nao fica positivo. Criou-se um plato nessa fase... vamos ver quando ele vai ser revertido. Talvez quando a minha licensa chegar e eu possa trabalhar rotineiramente.
    Mas uma coisa eh fato. Esse grafico existe (na vida real) e os mochileiros devem se preparar para encara-lo... hehehehe
    Grande abraco
    Vou ter que divulgar esse post no meu facebook... hehehe
    Valeu!!

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