domingo, 20 de fevereiro de 2011

Uma noite legal


Despretenciosamente, na sexta-feira me dirigi ao teatro Old Vic em Bristol. Junto com outras oito pessoas do laboratório, íamos assistir a uma peça chamada Faith Healer (numa tradução horrorosa seria algo como Curandeiro da fé). O teatro Old Vic é o mais antigo ainda em operação na Inglaterra, fundado em 1776, então só isso já era um motivo para ir à peça.

Cheguei bem em cima da hora (já já explico o porquê) e, na hora que entrei, estranhei, pois havia três fileiras de cadeiras num formato em U e o palco no meio, sem divisão nem plataforma, exatamente no mesmo nível das cadeiras. Legal que dá uma sensação de proximidade e intimidade com os atores. Para completar, a peça era composta por quatro monólogos. Nunca tinha visto uma peça assim. Eu ficava me colocando na posição do ator, com a plateia tão próxima, te pressionando com os olhares atentos, e vc tendo que falar sem parar por 30 minutos... tenso.

A peça é bem famosa aqui e os atores estão rodando a Europa com ela. A peça contava a história de um curandeiro que curava as pessoas com a fé, depois que os médicos não conseguiam mais curá-la. Às vezes dava certo, mas na maioria das vezes não. A mulher dele, no segundo monólogo, conta como ele a ignorava e só pensava no trabalho, ao passo que ela fazia tudo por ele. No terceiro, o empresário do curandeiro conta a versão dele dos fatos, a terceira visão diferente sobre os mesmos fatos. No final, o curandeiro volta para o último monólogo. Foi legal a peça, entendi boa parte da história, e os atores têm que ser muito bons para aguentar a barra. Mas, quando minha mente foi dar uma viajada (não é fácil ouvir uma pessoa falando 30 minutos nem na sua língua, imaginem em inglês), eis que localizo na primeira fila do outro lado do "U" um cara conhecido, com seus cabelos mais brancos e compridos do que eu costumava vê-lo, mas sem dúvida era ele. Pedi confirmação para alguns de meus colegas a meu lado e todos confirmaram, era ele. Robert de Niro estava no teatro mais velho da Inglaterra. Ele ficava com algumas expressões características, como aquele sorriso ao contrário e aquele olhar sério. Ninguém o incomodou, só depois da peça que eu o vi cumprimentando umas pessoas. Nada de fotos permitidas.



Mas, apesar disso, esta não foi a parte mais memorável da minha noite. Antes de ir à peça, fui numa palestra chamada "A ciência é o rei", proferida no Wills Memorial Building, o prédio matriz da Universidade de Bristol, o qual eu nunca tinha entrado.



Quem seria o palestrista, indagam-se vocês. Infelizmente apenas meus amigos da faculdade vão reconhecer o nome. Com certeza alguém muito menos famoso que Robert de Niro, mas no mundo dos químicos, muito mais famoso que o de Niro é no mundo dos atores. Não há um químico que possa se considerar um químico se não leu durante alguma parte da sua vida um capítulo de algum dos livros dele. Se contasse as horas da minha vida que passei lendo seus livros Princípios de Química ou, mais à frente, Físico-Química volumes 1-3, com certeza dariam algumas semanas, senão meses. Senhoras e senhores, Peter Atkins.



Ele é o cara atirando (acredito que contra a Igreja!). A palestra não teve quase nada a ver com Química (apesar de em um momento comentar sobre a Segunda Lei da Termodinâmica, dizendo que era sua lei favorita, e eu pensei nas dezenas de páginas dos capítulos dedicadas a ela no seu livro!). Ele discursou (sem slides!) por 45-50 minutos sobre a ciência como a única forma aceitável de se tentar explicar o Universo. Na verdade, ele é o ateu mais extremista que eu conheci na minha vida até hoje. Sua primeira frase foi "O Universo só pode ser compreendido por meio da ciência, não se deixem contaminar por emoção ou religião". Frases como "Religião é uma porcaria", "a pior visão do mundo para mim é ver uma criança indo na igreja", "a Igreja Anglicana só ensina merda", "cientistas estão tentando entender o que se passa na cabeça de uma pessoa quando ela vê uma pessoa pregada num pedaço de madeira", "a Igreja é responsável por séculos de atraso no conhecimento" e "envenenar o cérebro com crenças religiosas é morrer antes de morrer" permearam sua palestra. Ele tentou provar por argumentos científicos que Deus não existe, que não é necessária uma força externa de Criação, nem mesmo no Big Ben. E o Atkins sabe falar. Você pode concordar ou não (eu concordo em partes com ele, por sinal), mas você nessas horas dá valor para a liberdade de expressão, de um cara poder falar tudo o que ele falou sem problemas, mesmo sendo uma posição muito extremista, e você ter opção de concordar ou discordar explicitamente (como muitos da plateia fizeram). Há algumas décadas atrás isso seria impossível, e em muitos lugares hoje em dia isso ainda é.

Imaginem que depois dessa palestra fui ver um monólogo sobre um curandeiro de fé, bem apropriado... Em resumo, adorei ir na palestra dele, não só pelo assunto e as coisas que ele falou, que fazem você pensar bastante, mas porque eu vi o cara, o tal nome na frente dos livros: Peter Atkins, ladies and gentlemen.

11 comentários:

  1. Uau!! Que noite, hein?
    Já assisti muitos (e ótimos) filmes com Robert de Niro. E você também. Agora, de repente vê-lo num teatro em Bristol, o mais antigo da Inglaterra (1776, que máximo!), numa 6ªf qualquer, é demais!!
    Quanto ao "cara", Peter Atkins, lembro de vê-lo na estante do seu quarto. Um monte deles. Livros enoooooormes (jura que você leu todos eles??). Agora, assistir uma palestra sua, ao vivo e a cores, pelo que li e senti, ladies and gentlemen, deve ter sido o máximo!!!

    ResponderExcluir
  2. Essas coisas só acontecem na Inglaterra mesmo, é o país das maravilhas. Sinta-se maravilhadoo, live the dream!! hahahaha

    ResponderExcluir
  3. Até eu (psicóloga) li partes do livro dele. E aposto que a frase que vc mais se identificou foi "a pior visão do mundo para mim é ver uma criança indo na igreja" hahaahah

    Mas se eu tivesse visto o de Niro, teria tocado perto dele a música do Poderoso Chefão. Sempre a tenho no celular, exatamente por causa dessas situações... nunca se sabe!

    ( > ; o )

    ResponderExcluir
  4. É amigo, admito que ter visto o de Niro foi algo inusitado, como ver o Príncipe no Teatro (ou ao menos um bom sósia)

    Mas ver o Atkins, assim, ao vivo...deve ter sido muito louco! Espero que você tenha aproveitado para perguntar sobre o exercício 14 do capítulo 9 de equilíbrios

    ResponderExcluir
  5. E o Julio De Paula? Quando vai encontrar com ele?

    ResponderExcluir
  6. Ver um De Niro que só diz o que escrevem, não me diz muito. Mas ver alguém que muda o mundo com o que diz e escreve ...não tem palavras!

    ResponderExcluir
  7. Uau, depois dessa frase do meu pai eu não preciso falar mais nada huahuauhauauhahua

    ResponderExcluir
  8. Isso foi um elogio ou vc está chorando?

    ResponderExcluir
  9. Acho que foi o comentário mais bem escrito desse blog!

    ResponderExcluir
  10. Putz, fiquei com vontade de assistir a "Os Bons Companheiros" de novo! Jimmyyyy!! ahaha

    Caramba, não sabia que o Atkins era ateu "militante". Essa modalidade ta forte aí na Inglaterra... Dawkins, Hitchens, Atkins...

    ResponderExcluir
  11. Fala Frank, faz tempo q não comento mas estou sempre acompanhando. Apesar que os posts de suas férias com aquela dupla de aloprados é totalmente sem coments né...

    Mas nesse post vc escancarou de vez o que é o primeiro mundo e que estudar fora proporciona um enorme aprendizado como pessoa, além, é claro, da especialização na área pretendida.

    Best regards.

    PS (prá não perder o costume): não negas que és filho do Frank-pai.

    Marcos C.E.

    ResponderExcluir